9 de jan. de 2008

"Meu primeiro amoooorrrr..."

17h17, alguém está pensando em mim. Eu me pergunto quem, afinal os únicos que parecem dar bola para a minha existência ultimamente são os pedreiros que trabalham no novo prédio da rua e que me vêem de biquíni todas as manhãs a caminho da praia. Eu estou sentada, coçando minhas pernas –que estão simplesmente cobertas de picadas de pernilongos- e tomando um suco de maçã –que, na verdade, quando vi na geladeira pensei que era de abacaxi- geladinho, pensando sobre o fato de eu pensar demais. Acho que esse meu pensar excessivo deve-se ao meu primeiro ano na França, quando a maior parte da minha personalidade se formou.
Meu francês era mais-ou-menos, e eu entrei na escola esperando fazer vários amigos com quem poderia aperfeiçoar a língua. Mas no primeiro dia de aula, vi que as coisas não iam ser bem assim. Cheguei na sala 321 atrasada como sempre, abri a porta e todos olharam para mim. Eu fiquei ali parada por um tempo, observando todas aquelas pessoas que nunca tinha visto na vida e que, na minha cabeça, logo seriam meus melhores amigos, até que o professor disse-me, em um francês rápido e quase incompreensível, para sentar-me ao lado de Riccardo, um italiano com cabelo loiro de tigela e um nariz meio engraçado. Eu obedeci e andei até minha carteira. O professor se apresentou –chamava-se Jean, mas disse-nos aquele dia que devíamos chama-lo de Monsieur Brossel- num francês muito mais lento do que o que utilizou comigo quando me mostrara meu lugar. Eu observei as pessoas à minha volta enquanto ele falava sobre como as coisas funcionavam no Lycée International, e percebi que todos estavam olhando para ele com caras de meu-Deus-do-que-esse-cara-esta-falando. Foi então que percebi que eu era a única na sala que já tinha tido uma aula de francês na vida.
O professor escreveu no quadro seu nome, sua idade e sua nacionalidade, e disse a todos para se apresentarem usando as mesmas formas verbais que as escritas no quadro. A primeira a se apresentar foi uma menina magra, alta e muito branca. “Hmm... je m’appelle Sara” disse ela com dificuldade, “j’ai 13 ans et je suis suédoise”. Ela tinha um sotaque muito forte. Mas não foi isso que me chocou. Como ela podia ter 13 anos, enquanto eu tinha feito 11 quatro meses antes, e estarmos na mesma sala?! Eu fiquei meio preocupada, mas parei de pensar nisso quando o próximo aluno se levantou. Ele era alto –bem mais alto do que Sara-, forte, tinha cabelos dourados e uma pele muito branca. Vestia um moletom bordô, um par de jeans surrados e um tênis muito sujo. Ele disse que se chamava Lars, tinha 13 anos e era norueguês. Enquanto os outros alunos se apresentavam, eu fiquei olhando para ele e seu nariz perfeito coberto de sardas, seu moletom bordô e seu cabelo bagunçado. Eu estava apaixonada. O tempo passou rapido e, quando vi, Riccardo já estava se apresentando, com um sotaque italiano muito mais forte do que o sotaque sueco de Sara. Dentre as 3 pessoas que eu prestei atenção quando se apresentavam, ele era o único que não tinha 13 anos. Tinha 12. Menos pior.
Chegara a minha vez de me apresentar, e pela primeira vez na minha vida, eu fiquei com vergonha. Eu nunca tinha sido uma pessoa tímida antes disso, mas o fato de Lars estar olhando para mim me dava medo de falar, fazia minhas bochechas ficarem quentes e meu corpo inteiro tremer. Com esforço, disse que me chamava Giovana, que tinha 11 anos –o que fez todos da sala olharem para mim com cara de nos-somos-superiores-a-você-menininha-de-onze-anos- e que era brasileira. Depois de mim, 6 pessoas se apresentaram: Hannah, uma americana loirinha com quem não simpatizei muito –ela também tinha 13 anos-; Isha, uma americana de pele mais morena que parecia uma seguidora de Hannah –que, vejam que beleza, também tinha 13 anos-; Lucy, uma neozelandesa gorda, com cabelo comprido demais e saia de hippie –que para a minha felicidade tinha apenas 12 anos-; Mary-Jane, uma inglesa ruiva e de dentes tortos que 6 meses depois virou minha melhor amiga; Harry, um inglês baixinho e com cabelos compridos, loiros e bagunçados que tinha recém feito 13 anos –ele contou à sala que seu aniversario era no dia 30 de agosto-; e Tsukasa, um japonês que tinha 13 anos e que tinha recém aprendido nosso alfabeto.
Depois da aula de Monsieur Brossel tínhamos uma hora para almoçar. Aprendi que tinha que correr no horário do almoço se queria ter mais de 5 minutos para comer ao ver uma fila gigante na entrada do refeitório. Na fila da cantina, conheci Stefanie, uma alemã que estava na minha sala e que tinha 13 anos. Ela falava um pouco de francês, e começamos a discutir sobre como aquela fila podia ser tão grande, sobre como as pessoas atrás de nos estavam nos irritando –ficavam nos empurrando como retardados, como se adiantasse alguma coisa- e sobre como aquele cheiro ruim não nos dava vontade de comer nada. Com o tempo aprendi que aquele aroma agradável vinha da comida da cantina, que era horrível, e que as únicas coisas comíveis naquela escola eram iogurtes, pão e queijo –haha, bienvenue en France!
O tempo passou, Stefanie arranjou uma amiga que falava alemão, e eu estava sozinha de novo. O resto das pessoas da sala so falava em inglês entre si, afinal, para eles, falar francês era para losers. Eu resolvi usar um pouco do meu inglês, ele não podia ser tão ruim assim. Um dia, no fim da aula, fui falar com Sophia, uma americana de 12 anos que tinha uma gêmea, Katherine, que também estava em nossa classe. Ela não entendia muito bem o que eu dizia, e eu entendia muito menos o que ela dizia, mas eu gostei de Sophia. Ela não simplesmente me ignorava por causa de meu inglês horrível, ela me corrigia quando dizia alguma coisa errada ou tentava entender o que eu queria dizer quando inventava alguma palavra –do tipo atropelate, you know, car, BAAM, you-, e viramos amigas. Eu lhe contei sobre minha paixão platônica por aquele norueguês alto que vestia sempre um moletom bordô, e ela me disse que conhecia ele e que ele era muito legal.
Minhas esperanças de ter meu amor correspondido cresceram ao longo do tempo, graças a trocas de olhares ou às vezes que ele me dizia oi no corredor. Minha amiga Sophia era amiga de Hannah, aquela americana loira mais velha, que, segundo Sophia, também estava apaixonada por Lars. Hannah falava come ele o tempo inteiro, e eles eram amigos. Por que eu não podia falar com ele?! Por que Hannah tinha que estragar tudo?! Foi então que eu comecei a ficar deprimida e pensar que nunca teria chance com ele. Sophia não me agüentava mais chorando nos cantos da escola e meio que me abandonou. Passou a andar com Hannah, Isha, Lucy e Katherine, o que me fez odia-las ainda mais, principalmente Hannah, é claro.
Foi ai que eu virei meio emo, como diriam os jovens de hoje em dia. Eu me exluia e passava todas as aulas pensando ou escrevendo. Em meu fichário, no meio de anotações de biologia em um francês totalmente errado e mapas da África, eu tinha uma divisão secreta, onde escrevia sobre meu tédio e minha solidão, onde elogiava meu amado e criticava qualquer menina que chegasse perto dele, sendo Hannah a rainha das criticas, é claro. Eu grudava a meu iPod e ouvia musicas tristes, pensando no quanto minha vida era ruim. Eu era a menina mais tímida e sozinha da sala. Todos já se encaixavam em algum grupinho, menos eu, que ficava sempre sentada na primeira carteira escrevendo poemas de amor e de ódio.
Depois de um tempo, me dei conta de que o que eu estava fazendo era errado, e resolvi finalmente me enturmar. Era obvio que não ia ser amiga de Hannah, ou muito menos de Sophia, que me havia abandonado, então comecei a falar com Elisabeth, uma belga que falava inglês perfeitamente, e com Mary, a inglesinha dos dentes tortos. Elas eram muito legais e me faziam rir muito. Estavam sempre me dizendo que Lars era so um garoto e não a minha vida, mas aceitavam o fato de eu ser apaixonada por ele, escutavam atentamente quando eu lhes contava meus sonhos e às vezes elas até liam meus poemas, que adoravam –principalmente os que falavam mal de Hannah, a quem também odiavam.
No ano seguinte, quando eu já tinha esquecido Lars, tive de me separar de minhas amigas. E em minha nova classe, eu resolvi ser totalmente o oposto do que tinha sido antes. Eu falava com todo mundo, me candidatei a representante de classe –ganhei a votação por 5 votos-, e logo passei a conhecer quase a escola inteira. As vezes eu nem acreditava que tinha sido apaixonada por Lars quando via ele e seus amigos pulando de muros que nem retardados. Passei a não me abalar por coisas bobas –mesmo meu ponto fraco de abalamento sendo garotos- e a fazer amigos facilmente. Os únicos hábitos que guardei do meu primeiro ano na França foram escrever, ouvir musica e pensar. As 3 coisas que mais faço. Imaginem so como meu pai ficaria feliz se um desses hábitos tivesse alguma coisa a ver com esportes.


eu e Lars no ultimo dia de aula da 6a série, quando Elisabeth levou uma daquelas câmeras descartaveis para a escola e tirou uma foto de nos dois, o que fez daquele dia o "mais feliz da minha vida"

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